domingo, 3 de outubro de 2010

Sociologia: Leitura Complementar

O que é multidão?

(…) o processo de formação da multidão está profundamente envolvido com a destruição dessa separação [entre sociedade civil e Estado]. Mas esse estreitamento
pode acontecer de várias maneiras e isso não resulta necessariamente numa unidade. Na verdade, para a multidão não é essencial que isso resulte numa unidade. A multidão está engajada na produção de diferenças, invenções e modos de vida. Deve, assim, ocasionar uma explosão de singularidades. Essas singularidades são conectadas e coordenadas de acordo com um processo constitutivo sempre reiterado e aberto. Seria um contra-senso exigir que a multidão se torne a “sociedade civil”. Mas seria igualmente ridículo exigir que forme um partido ou qualquer estrutura fixa de organização. A multidão é a forma ininterrupta de relação aberta que as singularidades põem em movimento. (…)

Mas o comum não é unidade, nem quando envolve resistência contra o inimigo, nem quando implica a construção coletiva de terreno para a existência da pólis – em resumo, nem quando é “multidão contra”, nem quando é “multidão a favor”. “Multidão contra” significa resistência a forças que não desejam o comum, que o bloqueiam e o dissolvem, que o separam e se reapropriam dele privadamente. “Multidão a favor”, pelo contrário, significa afirmação do comum em sua diversidade e em cada uma de suas expressões criativas. Se chamarmos isso de unidade, teremos de fazê-lo como unidade paradoxal, composta unicamente por diferenças. Mas essa formulação tende a reduzir e negar diferenças. Eis porque preferimos conceitos como multiplicidade e singularidade. O que vocês dizem sobre a unidade imposta a partir de dentro da multidão aproxima-se do que diríamos, mas continuamos convencidos de que unidade é um conceito errado. (…)

Por que unidade? Vocês parecem pensar que o único caminho para as forças de resistência desafiarem os poderes dominantes é se unir, mesmo que essa unificação contrarie nossos desejos de democracia, liberdade e singularidade. É uma concessão, vocês parecem dizer que lamentavelmente devemos aceitar em face das duras realidades do poder. Não estamos convencidos disso. De fato, mesmo que se aceite por um momento pensar apenas em termos de efetividade e suspender todos os desejos políticos, não acreditamos que a unidade seja a chave. Pensemos apenas em termos das atuais lutas políticas concretas de resistência. Seriam realmente mais efetivas se estivessem unificadas? O poder de algumas delas não está diretamente ligado à diversidade interna e suas expressões de liberdade? Pelo conteúdo, aquilo que o conceito de multidão indica (e vemos isso emergir em movimentos por toda a parte) é uma organização social definida pela capacidade de agir em conjunto sem qualquer unificação.

(Michael Hardt e Antonio Negri, em entrevista concedida a Nicholas Brown e Imre Szeman. In: Revista NOVOS ESTUDOS – CEBRAP, nº- 75, julho 2006 , pp. 93-108. Tradução do inglês de Milton Ohata.)

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